19 dezembro 2006

..."Energia e Autoliberação"...

...Assim, é necessário começar o que sabemos, com nossa condição humana material. No ensinamento é explicado que o indivíduo é constituído de três aspectos: corpo, voz e mente. Estes constituem nossa condição relativa, que está sujeita ao tempo e à separação do sujeito e do objeto. Aquela que está além do tempo e dos limites do dualismo é chamada "condição absoluta", o verdadeiro estado do corpo, voz e mente. Para entrar nesta experiência, entretanto, é necessário primeiro entender nossa existência relativa.

O corpo é algo verdadeiro para nós; é a forma material que nos limita dentro do domínio humano. Externamente ele encontra seu reflexo na sua própria dimensão material, com a qual está intimamente ligado. No Tantrismo, por exemplo, fala-se de correspondências precisas entre o corpo humano e o universo, com base no princípio de que são uma única energia. Quando pensamos em nós mesmos, a primeira coisa que pensamos é em nosso corpo e no nosso ser físico. Disto surge um sentimento de um Eu, nosso apego, e todos os conceitos de propriedade que decorrem disso, tais como, minha casa, meu país, meu planeta, etc.

Através da dimensão material do corpo podemos compreender sua energia, ou a "voz", o segundo aspecto do indivíduo. Energia não é material, visível, ou tangível. É algo mais sutil e difícil de entender. Um de seus aspectos perceptíveis é vibração, ou som, e assim conhecido como "voz". A voz esta ligada à respiração, e a respiração à energia vital do indivíduo. No Yantra Yoga,4 movimentos do corpo e exercícios respiratórios têm como objetivo o controle dessa energia vital.

A relação entre voz, respiração, e mantra pode ser melhor demonstrada através do modo como os mantras funcionam. Um mantra é uma série de sílabas cujo poder reside em seu som, através da pronúncia repetida das quais se pode obter controle de uma dada forma de energia. A energia do indivíduo está intimamente ligada à energia externa, e cada uma pode influenciar a outra. O conhecimento dos vários aspectos da relação entre as duas energias é a base das tradições rituais Bön, as quais até hoje têm sido um pouco descuidadas pelos estudiosos ocidentais. No Bön, por exemplo, considera-se que muitos distúrbios e doenças derivam de classes de seres que têm a capacidade de dominar certas formas de energia. Quando a energia de um indivíduo enfraquece, é como deixar uma porta aberta através da qual distúrbios de tais classes de seres passam. Assim é dada uma grande importância à manutenção da integridade da energia do indivíduo.

Trabalhando de forma oposta, é possível influenciar a energia externa, desencadeando o que eles chamam de "milagres". Tal atividade é na verdade o resultado de ter-se o controle da própria energia, através da qual se obtém a capacidade do poder sobre os fenômenos externos.

A mente é o aspecto mais sutil e oculto da nossa condição relativa, mas não é difícil notar sua existência. Tudo o que se tem a fazer é observar os pensamentos e como nos deixamos capturar no seu fluxo. Se alguém pergunta "O que é a mente?" - a resposta poderia ser de que é a mente que faz essa pergunta.

A mente é um fluxo ininterrupto de pensamentos que surgem e desaparecem. É a capacidade para julgar, para racionalizar, para imaginar, etc, dentro dos limites do espaço e do tempo. Mas além da mente, além de nossos pensamentos, existe algo que chamamos a "natureza da mente", a verdadeira condição da mente, que está além de todos os limites. Se está além da mente, assim, como podemos chegar ao entendimento dela?

Tomemos o exemplo do espelho. Quando olhamos no espelho vemos nele as imagens refletidas de muitos objetos que estão em frente dele; não vemos a natureza do espelho. Mas o que queremos dizer com esta "natureza do espelho"? Nós nos referimos à sua capacidade de refletir, definida por sua claridade, sua pureza, e sua limpidez, que são condições indispensáveis para a manifestação dos reflexos. Esta "natureza do espelho" não é algo visível, e a única maneira pela qual podemos compreender é através das imagens refletidas no espelho. Do mesmo modo, nós apenas sabemos e temos experiência concreta daquilo que é relativo à nossa condição de corpo, voz e mente. Mas esta é a própria maneira de entender suas naturezas verdadeiras.

Na verdade, falando do ponto de vista absoluto, não existe qualquer separação entre a condição relativa e a sua verdadeira natureza, da mesma maneira que um espelho e as imagens refletidas nele são de fato indivisíveis do todo. Contudo, nossa situação é tal que é como se houvéssemos saído do espelho e agora estivéssemos olhando para as imagens refletidas que estão aparecendo nele. Inconscientes de nossa própria natureza de claridade, pureza e limpidez, consideramos as imagens refletidas como reais, desenvolvendo aversão ou apego. Assim, em vez destas imagens constituírem um meio para descobrirmos nossa verdadeira natureza, elas se tornam um fator de condicionamento. E nós vivemos distraídos pelas condições relativas, atribuindo grande importância a tudo.

Esta condição dualista, que é a situação geral de todos os seres humanos, é chamada "ignorância" nos ensinamentos. E mesmo uma pessoa que tenha estudado os conceitos mais profundos quanto "à natureza da mente", mas que não entendeu realmente sua condição relativa, pode ser definida como "ignorante", porque a "natureza da mente" para aquela pessoa permanece um conhecimento intelectual. Entender nossa verdadeira natureza não requer necessariamente o uso do processo mental de análise e racionalização. Uma pessoa que tem um conhecimento intelectual da natureza da mente permanecerá apegada, tal como qualquer outra pessoa, pelas imagens refletidas que aparecem e as julgarão como belas ou feias, permitindo a si mesmas serem presas pelo dualismo da mente.

Nos ensinamentos Dzogchen o termo "conhecimento" denota um estado de consciência que é como um espelho, em que sua natureza não pode ser colorida pela imagem refletida nele. Quando nos encontramos a nós mesmos no conhecimento de nossa verdadeira natureza, nada nos condiciona. Tudo o que surge é vivenciado como parte das qualidades do nosso próprio estado primordial. Por esta razão o ponto fundamental não é abandonar ou transformar a condição relativa, mas compreender sua verdadeira natureza. Para este fim é necessário clarear (esclarecer, clarificar) todos os conceitos equivocados e falsificações que nós continuamente nos aplicamos.

Nós temos um corpo material, que é extremamente delicado, e que tem muitas necessidades que temos que respeitar. Se estivermos com fome precisamos comer, se estamos cansados precisamos descansar, etc. Se não o fizermos, podemos desenvolver problemas de saúde sérios, porque os limites de nosso corpo são reais para nós. Nos ensinamentos, ultrapassar o apego ao corpo é ensinado de uma maneira ampla. Mas isto não significa que devemos romper abruptamente todos os limites e negar suas necessidades. O primeiro passo para ultrapassar este apego é entender a condição do corpo, e assim saber como respeitá-lo. Isto também é verdade no que concerne ao funcionamento de nossa energia. Quando alguém ignora isso e tenta debater-se com seus limites naturais, os distúrbios resultantes podem espalhar-se facilmente para áreas do corpo ou da mente. Na medicina tibetana, por exemplo, algumas formas de loucura são consideradas como causadas pela circulação de uma energia vital sutil em lugares diversos daqueles em que usualmente fluiria.

Problemas de energia são muito sérios. Nos tempos modernos atravessamos um período no qual existe uma maior disseminação de doenças, tal como câncer, que estão ligadas a desordens de energia. As formas oficiais de medicina ocidental, mesmo tendo identificado os sintomas de tal doença, não sabem qual a causa fundamental, porque eles não compreendem como a energia funciona. Na medicina tibetana estes tipos de distúrbios, assim como quando o curso do tratamento médico mostra ineficácia, são curados pela prática de mantra, que influencia e coordena a condição da energia do paciente através do som e da respiração. Paralelamente, no Yantra Yoga existem posições do corpo, métodos de controle da respiração, e concentrações mentais que podem ser usados para restabelecer desordens de energia.

Os ensinamentos Dzogchen advertem para que o indivíduo nunca force a condição de energia de alguém, mas sempre esteja consciente de seus limites em todas as várias circunstâncias em que ele se encontre. Se algumas vezes o indivíduo não se sentir bem sentando para praticar, deve evitar se colocar em luta contra ele próprio. Pode ser que haja algum problema em nossa energia que nós desconhecemos por traz de um sentimento nosso como esse. Em tais situações é importante saber como relaxar, e como dar espaço a si próprio, a fim de não bloquear o progresso de sua prática. Problemas de solidão, depressão, confusão mental, etc, também freqüentemente derivam de uma condição de desbalanceamento de nossa energia.

A mente influencia tanto a condição do corpo como da energia, e ao mesmo tempo depende deles. Algumas vezes a mente está totalmente escravizada pela energia e não há nenhuma forma de balanceá-la sem limpar as desordens de energia primeiro. É muito importante entender a relação de interdependência entre mente e energia. Em todas as tradições budistas, quando se ensina alguém a meditar, explica-se que a respiração precisa ser lenta e profunda, a fim de favorecer o desenvolvimento de um estado de calma para a mente. Por outro lado, se observarmos uma pessoa nervosa cuja mente se encontra num estado agitado, notaremos certamente que sua respiração é curta e apressada. Algumas vezes é impossível acalmar a mente apenas pela meditação, e é necessário praticar respiração e movimentos de Yantra Yoga, a fim de re-coordenar a energia da pessoa.

A imagem de uma gaiola é geralmente usada como exemplo para representar nossa condição relativa. Diz-se que um indivíduo assemelha-se a um pássaro preso e protegido por uma gaiola. A gaiola é aqui um símbolo de todos os limites de nosso corpo, voz e mente. Mas a gaiola no exemplo não é usada para indicar alguma situação anormal horrível, mas sim para descrever uma condição normal na qual o ser humano vive. O problema é que não estamos conscientes da situação em que realmente nos encontramos, e estamos de fato com medo de descobri-la, porque crescemos nessa gaiola desde pequenos.

Consideremos a maneira como uma criança entra nesses limites. Durante os primeiros meses de vida, quando a criança ainda não sabe racionalizar ou falar, seus felizes pais embalam-na em seus braços e murmuram palavras doces para ela. Mas quando a criança começa a andar e querer tocar alguma coisa eles dizem, "Não toque nisso! Não vá lá!" Então a criança cresce, e é obrigada a limitar mais e mais sua maneira de se expressar, de sentar-se à mesa, de comer, etc. Os pais ficam orgulhosos disto, mas a verdade é que a pobre coisinha esta sendo introduzida completamente na maneira deles pensarem. E então, aos cinco ou seis anos de idade, a criança começa a ir à escola, com todas as regras e expectativas resultantes. A criança terá novas dificuldades a superar, mas irá gradualmente acostumar-se a esta gaiola adicional. Atualmente leva-se muitos anos para completar a gaiola que é indispensável para nós porque nos capacita a viver em sociedade. Então há muitos outros fatores condicionantes, tais como idéias políticas, crenças religiosas, os vínculos da amizade, do trabalho, etc. Quando a gaiola está suficientemente desenvolvida estamos prontos para viver nela, e nos sentirmos protegidos. Esta é a condição de cada indivíduo, e nós temos que descobri-la observando a nós mesmos.

Quando estamos conscientes de nossos limites há a possibilidade de ultrapassá-los. Um pássaro numa gaiola gera seus filhotes na gaiola. Quando nascem, os passarinhos têm asas. Mesmo se, na gaiola, eles não podem voar, o fato de que eles nasceram com asas mostra que sua natureza verdadeira é ter contato com o espaço aberto do céu. Mas se um passarinho que viveu sempre numa gaiola de repente escapa de trás das grades, ele poderia encontrar um gato. Assim é necessário para o passarinho treinar um pouco em um espaço limitado, até que, quando ele se sinta pronto, pode alçar vôo definitivamente.

É o mesmo conosco: mesmo se é difícil para nós ultrapassar todos os nossos limites em um instante, é importante saber que nosso estado verdadeiro está lá, além de todos os fatores condicionantes, e que nós realmente temos a possibilidade de redescobri-lo.

Nós podemos aprender a voar além dos limites de nossa condição dualista, até que estejamos prontos para deixá-la para trás completamente. Podemos começar tomando consciência de nosso corpo, voz e mente. Entender nossa verdadeira natureza significa entender nossa condição relativa e saber como reintegrar com sua natureza essencial, de modo que nos tornemos novamente como um espelho que reflete qualquer objeto que seja, manifestando sua claridade."

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